Fonte: http://www.espacointegracao.com.br/artigos/autismo/
Por Jorge Roberto Fragoso Lins *
Em
1943, o psiquiatra austríaco e diretor do serviço de psiquiatria do Johns
Hopkins Hospital, Dr. Léo Kanner, ao observar o comportamento de algumas crianças
menores de um ano que fugia ao padrão de comportamento, assinalando para uma
acentuada tendência ao retraimento e com diagnóstico de intensa debilidade
mental ou de deficiência auditiva, tendo como principal indicativo a
impossibilidade de estabelecer desde o início da vida contato com as pessoas e com
a realidade que Kanner, depois de observar e estudar os onze casos que se deparou,
sendo oito meninos e três meninas, descreveu e nomeou o quadro do autismo infantil precoce. Kanner relata que
as crianças ao serem pegas pelos pais depois de horas sem vê-los, não esboçavam
qualquer tipo de reação, não mudavam de posição ou mesmo de fisionomia. Outro
aspecto observado é que as crianças não conseguiam se moldar ao corpo de quem
as segurava.
Oito das onze crianças observadas adquiriram
habilidade para falar na idade aproximadamente esperada. No entanto, não usavam
a linguagem com o propósito de se comunicar. Existia a incapacidade de formular
frases espontâneas e a reprodução era de maneira ecolálica, ou seja, repetia-se
a última ou as últimas palavras que eram ditas pela outra pessoa (pai, mãe). É
um fenômeno quase automático, involuntário, realizado sem qualquer tipo de planejamento
ou controle. Por exemplo: alguém pergunta a uma pessoa “qual o seu nome?” A
outra pessoa responde “Nome, nome.”
Foi, então, depois dos estudos realizados
por Kanner que o autismo infantil tornou-se objeto de investigação de
várias ciências como a psiquiatria, neurologia, neuropsicologia, psicologia, psicanálise
e outras. Trinta e cinco anos atrás, precisamente em 1908, o italiano Sancta de
Sactis descrevia a “demência precossíma”, baseando-se em observações de quadros
demenciais em pré-púberes, caracterizados por uma sintomatologia semelhante à
demência “precoce” que foi descrita em adultos por Emil Kraepelin.
Em
1993, com o surgimento da Classificação Internacional de Doenças, o autismo
infantil passou a ser classificado entre os transtornos invasivos do
desenvolvimento, com mais cinco outros que apresentam um quadro clínico de alterações
qualitativas de interação social recíproca, linguagem e capacidade criativa.
Para
alguns psicanalistas, existe a compreensão de que o autismo estaria vinculado a
uma estrutura psicótica sendo uma variante da esquizofrenia. Eles asseveram que
existiria como na psicose uma forclusão do Nome do Pai, um modo de retorno ao
gozo. Esta visão é rebatida por outros psicanalistas que compartilham da idéia da
não existência do Outro, do S1 e do Objeto a. Não podendo dizer em uma
forclusão do Nome do Pai, mas sim de uma forclusão de uma simbolização
primordial da mãe. É do discurso do mestre que partem os demais discursos.
As
duas visões podem ser compreendidas da senguinte forma. No autismo haveria uma
falha da função materna e, na psicose, uma falha da função paterna. Isso
significa que no primeiro caso a mãe falhou na relação com o pequeno ser, não
conseguindo estabelecer uma boa interação com ele, provocando, assim, uma
experiência traumática de distanciamento no início da constituição subjetiva do
indivíduo, ou seja, na fase de maior fragilidade e vulnerabilidade do ser
humano. Portanto, é mais adequado dizer que existe uma exclusão ao invés de
forclusão existente na psicose.
A
realidade subjetiva é instituída na relação com o Outro, através do laço
afetivo estabelecido por S1 e seus significantes. Portanto, como dizia Lacan
(1901-1981), o discurso é aquilo que funda cada realidade: a realidade
subjetiva é a realidade discursiva. No autismo não existe a entrada no Édipo
por não ter ocorrido o desejo do Outro. Como o falo está ausente não há nenhum
acesso à dimensão simbólica. Na estrutura psicótica o sujeito não se confronta
com a castração e por isso não há a admissão da falta. A forclusão seria então
uma rejeição absoluta em relação ao Nome-do-Pai, justamente o significante que funda
a lei simbólica, a lei do significante que inscreve a falta no sujeito, não
podendo, assim, ser integrada no inconsciente.
O
indivíduo fica à mercê de uma relação com um Outro Absoluto. Isso significa que
o sujeito fica colado numa identificação imaginária sob a forma de uma
fragmentação objetal, não existindo a integralidade total do eu. O sujeito se
organiza através de um imaginário fantasmático do seio, fezes, pênis, olhar e
voz que se limita a simples signos sem atingir a condição de significantes. Não
acontecendo o enlaçamento dos registros do real, do simbólico e do imaginário, também
não existe a amarração do nó borromeano. A ruptura de um desses registros
desorganiza toda a sujetividade.
Uma
visão não psicanalítica compreende que os
processos cerebrais ligados à comunicação sofrem alterações que desencadeiam o
transtorno muito antes das primeiras características se apresentarem. Chegou-se
a esta conclusão a partir de uma recente pesquisa conduzida pelo pesquisador
Jason Wolff, da Chapel Hill University, da Carolina
do Norte, publicada pelo American Journal of Psychiatry. Os pesquisadores investigaram o desenvolvimento
cerebral de 92 bebês. Um aspecto significativo desta pesquisa é que todos os 92
bebês investigados eram irmãos de autistas. Os pesquisadores através de exames
de ressonância magnética acompanharam as mudanças na organização neurológica dos
bebês, e quando eles atingiram a idade de 2 anos, 28 crianças teriam
desenvolvido o autismo. No entendimento dos pesquisadores a incidência do
transtorno entre irmãos possibilita uma correlação genética. Foi observado que
o componente sólido do sistema nervoso central – substância branca – que é
responsável pela transmissão de sinais entre regiões do cérebro aos poucos foi
se formando nas crianças que posteriormente desenvolveram o autismo. Já nas
outras 64 crianças essa estrutura se desenvolveu logo. Também foram observadas alterações
no desenvolvimento das fibras nervosas que conectam as áreas cerebrais. Segundo
os pesquisadores, esses indícios podem sugerir a possibilidade que o transtorno
alcance todo o cérebro e não uma única área específica.
Descreveremos
agora algumas das principais características do comportamento do bebê ou criança
autista.
a) A criança não se reconhece pelo nome. Os pais a
chamam e ela não responde. Como ela é capaz de identificar outros sons, não se
trata de um problema de surdez.
b) A criança prefere ficar sozinha. Quando deixada
deitada no berço ela não reclama, parece preferir o berço ao colo dos pais.
c) A criança não fala, não olha e mostra certa apatia . Têm uma fisionomia pouco
expressiva e não interage com outras crianças.
d) Crianças sem autismo geralmente imitam os adultos e
querem todas as atenções voltadas para ela, já as crianças com sinais de autismo não acompanham os
acontecimentos a sua volta.
e) Quando a mãe sai para trabalhar ou volta do
trabalho, a criança não mostra interesse por ela.
f) Crianças de cerca de um ano com autismo vão de colo
em colo e não estranham as pessoas, como seria esperado de uma criança nesta
idade.
g) Durante a amamentação , a criança com autismo não interage com a
mãe.
h) Os autistas muitas vezes separam os objetos por
cor, tamanho, etc. mantendo comportamentos repetitivos e sem finalidade
aparente.
i) A criança fica horas fazendo o mesmo movimento, com
o mesmo objeto. No início pode parecer apenas ser uma criança tranquila, mas
isso pode ser um dos sinais
da doença. Um dos movimentos mais comuns é ficar rodando um objeto.
j) A criança pode apresentar movimentos corporais
repetidos, como movimentos de balanço, às vezes, até de forma violenta.
k) Brincar de forma inadequada ou bizarra com os
objetos.
l) A criança utiliza as pessoas como instrumento. Pega
na mão do adulto e o
leva até o lugar onde quer que ele faça algo que ela deseja, ao invés de pedir
o que quer na forma de uma solicitação verbal.
m) Falta de consciência das situações que envolvem
perigo.
* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo e
pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise, graduando do 8º período
de psicologia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário