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Por Jorge Roberto Fragoso Lins
A
palavra “consciência” nos remete a uma estrutura importante de nossa mente que
compreende a consciência do Eu como unidade integradora entre a mente e o corpo,
compreendendo a consciência do “Eu” como única e singular que habita um corpo e
que este lhe proporciona sensações e percepções que o afetam, podendo
ser racionalmente compreendidas como sendo de fatores internos ou externos, sabendo,
perfeitamente, fazer oposição ou, melhor dizendo, fronteira entre o Eu e o
mundo externo; que tem consciência de sua vivência de tempo e espaço, conseguindo
descrever o que é passado, presente e futuro, como também onde está e se
localiza; que possibilita os mais variados tipos de atividades psíquicas como pensar,
estudar, falar, fazer, caminhar, querer e tantas outras atividades conscientes.
Em outras palavras, as qualidades do Eu são desenvolvidas para a realidade dos
fatos, dos acontecimentos da vida e a partir da interpretação e compreensão do que
o indivíduo se apodera, possibilite a melhor forma de convivência social, que
deverá ser norteada por um conjunto de regras, costumes, tabus e convenções
estabelecidas por uma sociedade. A compreensão de tais preceitos e, sobretudo,
o se enquadrar neles, chamaremos de consciência moral. A mesma inclui o
desconforto emocional de fazer algo como também à capacidade de saber abster-se
de fazer.
A
convenção das regras de convívio social é estabelecida pela cultura, sendo os
pais ou quem ocupe esse lugar os primeiros representantes da simbologia
cultural em nossa sociedade. Em outras palavras, antes que uma criança possa
desenvolver uma consciência moral é necessário que ela tenha internalizado padrões morais que a cultura local preconiza
como padrão comportamental de convivência na sociedade.
A
consciência moral não acontece pela via da regulação dos pais ou de quem quer
que seja; dependendo sim, da disposição da criança em fazer a coisa certa
porque de fato ela acredita que é certo sendo este o motivo que a criança
quando é desautorizada pelos pais de algo que esteja fazendo, pergunta de
imediato o motivo da negativa. Dizer apenas que não é certo o que ela está fazendo
sem explicar o porquê, não funciona como internalização do certo ou errado, já que
não se deu oportunidade para a criança de ficar convencida de seu erro, mesmo
porque em muitos casos o dizer dos pais não corresponde com o fazer, ou seja, a
criança internaliza mais o que é o certo através do comportamento dos pais e
não apenas do que é dito. No entanto, os pais não devem se ausentar de exercer o
controle inibidor de certas ações praticadas por seus filhos, pois tal prática
ajudará a criança a exercer a sua própria auto-regulação, ajudando-a a fazer o
seu próprio esforço para conter seus impulsos.
A
prática de alguns pais de sorrir com o que seu filho fez de errado ao invés de
repreendê-lo – sem violência –, passando a mão sobre a cabeça do filho como se
nada de errado tivesse acontecido e, ainda, dizendo que tal comportamento é
coisa de criança e quando ele crescer não acontecerá mais tal prática, é extremamente
nociva para a constituição da personalidade e caráter desse indivíduo. É
preciso saber que os pais ao repreender seu filho por algo que ele fez de errado
como, por exemplo, por ter sido agressivo com outra criança ou mesmo com um adulto,
está ajudando o filho a exercer o poder de auto-regulação que é o principal fundamento
da socialização, controlando sua agressividade para que possa canalizá-la numa
forma aceitável pela sociedade, como nos esportes, mas para isso é necessário que
exista a internalização introduzida pelos pais. De
que modo, então, se vale a cultura para inibir ou mesmo eliminar a
agressividade que a defronta? A este questionamento deixaremos que Freud
responda:
(...) O que sucede
nele [o indivíduo], que torna inofensivo o seu prazer na agressão? (...) A
agressividade é introjetada, internalizada, mas é propriamente mandada de volta
para o lugar de onde veio, ou seja, ou seja, é dirigida para o próprio Eu. Lá é
acolhida por uma parte do Eu que se contrapõe ao resto como Super-eu e que,
como “consciência”, dispõe-se a exercer contra o Eu a mesma severa
agressividade que o Eu gostaria de satisfazer em outros indivíduos estranhos. À
tensão entre o rigoroso Super-eu e o Eu a ele submetido chamamos consciência de
culpa; ela se manifesta como necessidade de punição” (Freud 4, 2, p. 92/250).
Reforçando o dizer de Freud,
mas obviamente, conforme o seu entendimento, o Winnicott diz que a moralidade depende da
capacidade de sentir culpa e de reparar o objeto cuja danificação provocou
culpa.
É importante dizer que, para
existir essa consciência, ou seja, a consciência de culpa será preciso que
antes esteja bem definido para o sujeito o conceito de certo e errado, sendo em
casa com os pais que ele terá as primeiras lições. O esforço em conjunto da
família que apresenta um ambiente sem maiores pertubações, contribuirá para a formação da
personalidade e do caráter da criança, pois a compreensão dessa dinâmica nos
leva a mencionar uma frase de Freud quando ele diz “que a criança é o pai do
homem”, ou seja, antes do indivíduo
ser um homem ele teve a sua fase de criança, período este que a sociedade espera que tenha
existido uma preparação para a vida social.
Ao ter uma
compreensão das respostas emocionais dos pais relativas à conduta que eles
aprovam para ela, a criança na medida em que processa, armazena e age de acordo
com tais preceitos, crescerá nela a necessidade de agradar aos pais, fazendo
aquilo que eles querem que ela faça, quer estejam ou não por perto, mas para
isso acontecer existem inúmeros outros fatores que começaria antes mesmo do
nascimento com o desejo dos pais que ela venha ao mundo.
O desejar dos pais antes
mesmo que seu filho venha ao mundo é a primeira condição de se estabelecer um
bom relacionamento entre eles e o filho, mas não quero dizer com isso que
acontecendo uma gravidez inesperada os pais também não venham desejar da mesma
forma. O que de fato é importante
nessa história é o desejar.
Uma boa construção do laço
familiar que só se consegue paulatinamente com a convivência é condição sine qua non para a harmonização
doméstica, e também para dar o suporte necessário para a criança enfrentar as
suas inúmeras ansiedades, próprias das fases de seu desenvolvimento. Um ambiente
acolhedor propiciado pelos pais, uma boa relação fundada no amor, respeito,
compreensão e amizade, propicia um melhor diálogo entre pais e filho, fazendo
com que o mesmo se sinta seguro em dizer coisas sobre ele que jamais seriam
ditas, caso não existisse o referido clima, mas para que isso aconteça é
necessário que os pais se façam presentes na vida do filho,
sabendo, obviamente, respeitar o espaço do filho. Esse clima favorece as
identificações e a socialização da criança que em um dia não muito distante para os pais se tornará um
adulto.
O apego seguro e um
relacionamento afetuso e mutuamente responsivo entre pais e filhos parecem
favorecer a obediência comprometida e o desenvolvimento da consciência moral,
segundo Papalia, Olds & Feldman (p.218, 2010).
* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em
intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.