quinta-feira, 8 de agosto de 2013

AS VARIANTES DO HUMOR NO CICLO REPRODUTIVO FEMININO


* Por Jorge Roberto Fragoso Lins

No período após a ovulação e no que antecede a menstruação a mulher passa por uma variante de ocorrências que são caracterizadas por uma síndrome de mudanças comportamentais, afetivas, cognitivas e somáticas que são repetidas ao longo desses ciclos. A síndrome pré-menstrual (SPM), também conhecida como tensão pré-menstrual, conhecida popularmente como (TPM), consiste de uma ocorrência repetitiva de muito desconforte, irritabilidade, depressão ou fadiga. Os sintomas ainda são acompanhados de dor nas mamas, no abdômen e nas extremidades e de cefaléia. Em média se inicia cerca de 2 semanas antes da menstruação suavizando após o início da mesma. Tais sintomas são referentes à elevação e queda dos esteróides sexuais ovarianos, correlacionados aos neurotransmissores, ao humor e ao comportamento. Tais ocorrências são pertinentes a um cliclo espontâneo ovulatório sem a presença de intervenções famacológica, hormonal, sobretudo, de ingestão de drogas e álcool, nos quais mascarariam a progressão dos sintomas referente-se ao ciclo menstrual.

Entre as gestantes o índice de sintomas depressivos é elevado e estima-se que cerca de 10% preencham os critérios para o diagnóstico de transtorno do humor. Geralmente a depressão de leve intensidade das parturientes é transitória requerendo pouca intervenção por parte do profissional. No entanto, existem casos que evoluem para um episódio depressivo maior. Portanto, deve-se investigar a história de vida da paciente buscando encontrar a causa motivadora que pode ser encontrada numa revivência traumática do Édipo, na relação atual com seu companheiro, por estar vivendo uma situação estressante ou mesmo traumática,  um luto, fatores psicossociais, etc. Existe também a possibilidade do quadro se agravar para doenças puerperais psicóticas graves, podendo chegar ao ponto da mãe ver a criança como algo diabólico, ou mesmo não reconhecê-la como filho, interferindo extremamente em toda estrutura famíliar. Em ambos os casos aconselha-se o tratamento medicamentoso com uma psicoterapia. É importante lembrar que a mulher no período gestacional passa por sentimentos ambivalentes em relação à maternidade e podem estar sujeitos a exageros.

Durante o período do climatério existem muitas flutuações hormonais que são próprias da faixa etária e do emocional da mulher, podendo provocar tristeza, choro fácil, desânimo, cansaço, falta de energia, ansiedade, nervosismo, irritabilidade, insônia, perda de concentração, mudanças na libido e uma variação de sintomas depressivos, entre outros. É preciso salientar que climatério não representa a mesma coisa que menopausa. Compreende-se por climatério uma transição que está acontecendo no ciclo de reprodução da mulher, ou seja, uma transição do período reprodutivo para o período não reprodutivo; já a menopausa, tem seu início a contar da última menstruação da vida da mulher

O surgimento da menopausa pode precipitar transtornos afetivos preexistentes, podendo assinalar para quadros depressivos de maior gravidade. Esta fase é extremamente influenciada por fatores sócio-familiares e culturais e alterações corporais. Tais fatores repercutem no surgimento de sentimentos como a perda da feminilidade, já que a mulher pode associar o fim do ciclo reprodutivo com o deixar de ser feminina, mudança na sexualidade, medo de ficar vulnerável a doenças crônicas entre outros. A mulher ainda tem que lidar com a queda dos níveis hormonais, a perda da massa óssea, e em alguns casos, pode surgir um quadro de incontinência urinária, ardência à micção que possibilita a adquirir infecções urinárias. Os pêlos pubianos tendem a ficar mais ralos e os grandes lábios mais finos, a mucosa vaginal perde elasticidade e flexibilidade propiciando a sangramentos e dor na penetração.

Na menopausa a mulher se confronta com um lastro de modificações  corporais que podem se constituir em um forte sentimento de perda para sua subjetividade. Recorrendo aos complexos de Édipo e de Castração podemos mencionar que a fertilidade para a mulher não se resume apenas na possibilidade de gerar um filho, mas o de ter o tão sonhado falo que ela não encontrou na mãe e por identificação também não encontrou em seu próprio corpo. É importante salientar um aspecto nesse caso, que não existe um significante para o “não ter o falo”, significante da mulher, e é justamente por não existir essa insígnia na mulher de ter o falo, que ela irá procurar no companheiro – o substituto do pai –, sendo com ele que ela poderá dispor do poder de ter o falo ao gerar um filho. Dito de outra forma, o filho representa o próprio falo para a mulher, ou seja, é o que a mulher sempre quis dizer para o homem e não pôde dizer antes, a saber, “sou eu quem tem e não você!”. Outro aspecto a ser levado em consideração é o da necessidade de se identificar como mulher e, consequentemente, de estabelecer a diferença entre os gêneros. Isto pode ser compreendido da seguinte forma: “minha fertilidade me faz ser a única a gerar uma criança e só eu gozo desse privilégio!” Aqui, não estamos falando em estabelecer a posição masculina ou a posição feminina, mesmo porque são posições acessíveis a ambos os sexos, mas de estabelecer a diferença entre os gêneros masculinos e femininos.

Sentir-se mulher é ter plena certeza que não terá o falo da forma que tem o homem, não no sentido machista, mas no sentido psicanalítico, vale salientar, mas de saber que poderá tê-lo por outras vias, e ter plena certeza de que ser mulher e fértil lhe concede o gozo do poder e o perfume da feminilidade, feminilidade esta construída inicialmente nas trocas entre a mãe e o bebê, uma forma de relação singular que a mãe terá com o filho ou com a filha, no caso em questão com a menina, que moldará as relações da menina com o mundo a partir de sua identificação com a mãe, processo esse cheio de nuances somatopsíquicas que incluem as marcas corpóreas primitivas, o que irá resultar na  constituição de realidades psíquicas singulares, ou seja, de uma realidade pré-simbólica, que deverá fundamentar para as simbolizações e por fim para uma  relação transferencial.

Como vimos, a mulher em sua trajetória subjetiva é marcada intensamente pelos seus ciclos biológicos e pelo social. Ao contrário de outros tempos, a mulher tem uma vida mais intensa. Seu corpo e sua sexualidade não se encontram mais reprimidos, pelo contrário, observa-se que seu corpo a cada dia passa a ser mais pulsional e sua feminilidade chega atingir a um erotismo nunca antes visto reflexo da própria pulsão que erotiza seu corpo e que exige uma satisfação imediata. Já dizia Freud (1856-1939) que mais do que “um enigma, o feminino é um corpo que, considerado como pulsional, está em constante construção.

Atualmente o ciclo reprodutivo feminino ou, melhor dizendo, os ciclos reprodutivos femininos, são vividos de forma diferente como se vivia há décadas atrás. Muito provavelmente são vividos com maior intensidade do que antes devido ao novo cenário contemporâneo que vem quebrando paradigmas e construindo uma nova mentalidade de vida. A mulher deixou de ser aquela mulher reprimida que Freud tratou – as histéricas – para ser uma mulher que se impõe em seu discurso e não reprime o seu desejo. No passado seu desejo era renegado pela sociedade e o que lhe restava era recalcá-lo sofrendo silenciosamente. No presente, provavelmente pelas inúmeras exigências de ser mulher, mãe e trabalhar tudo ao mesmo tempo a quebrar desse ritmo com certeza irá produzir algum mal-estar, mas o próprio ritmo, os próprios afazeres também. Somando a isso toda a história de vida da mulher, seus traumas, conflitos, seu corpo, sua sexualidade e inúmeros outros aspectos estarão presentes, por exemplo, em sua primeira menstruação – menarca –, em uma gestação e na menopausa. Compreender os ciclos reprodutivos da mulher é, sobretudo, ter uma visão mais ampla do universo feminino e de um lidar clínico com elas.

* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.

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