sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O NOME DO BEBÊ, UM SIGNIFICANTE QUE SE INSCREVE PARA O RESTO DA VIDA


* Por Jorge Roberto Fragoso Lins

Um novo mundo se apresenta para o bebê com a saída do conforto e segurança do útero materno, um mundo que lhe trará tensões, satisfações, frustrações, adaptações que darão início a sua caminhada para o simbólico, ou seja, que irá fundá-lo como um sujeito desejante. Dito de outra forma, o bebê enfrentará um grande desafio a partir de seu nascimento, o de se adaptar ao mundo externo, mundo este que poderá ser harmônico ou extremamente hostil.

A continuação de sua relação com a mãe agora passa por um novo e importante estágio, sendo a mãe ou quem ocupe essa função o primeiro Outro na vida da criança, um Outro que ainda não é um Outro externo já que, o que existe é uma representação fantasmática de uma unicidade dos corpos, ou seja, mãe e bebê estão fundidos em um único corpo. No entanto, será através da mãe que assume a função do Outro primordial que o bebê ao se alienar ao desejo dela dará os primeiros passos para a sua constituição subjetiva. A voz e o olhar fornecerão estímulos pulsionais que inundarão o bebê com afetividade e desejo, isto é, se for uma mãe o suficientemente boa, construindo, assim, o Eu Corporal, que segundo Birman seria a constituição Corpo Sujeito.

Será pela fala que a mãe nomeará as necessidades do filho. Por exemplo, se o bebê chora, a mãe entenderá que aquele choro não é de fome, mas sim porque  ele está abusado por estar com sono, então ela diz: “Sim, mamãe sabe que bebê tá com soniiiinho!”. Esta mãe assim procedendo está inscreve na criança que está necessidade fisiológica tem um nome, sono. Por sua vez essa rede de comunicação de signos formulará a mensagem para a mãe que o bebê precisa de um aconchego que o livre dessa tensão – que seria o abuso por não estar conseguindo dormir – possibilitando uma forma para que ele possa adormecer.

Sabemos que não existe de forma racional uma reflexão por parte do bebê, mas na medida em que essa mãe compreende a mensagem enviada pelo bebê de sua necessidade – sono, dormir – e logo o põe para dormir, a repetição desta experiência criará um condicionamento associativo que terá o valor de um reforço positivo, ou seja, “choro de sono somado ao aconchego da mãe é igual a dormir”. No entanto, mesmo que acha uma boa sincronia nessa rede de comunicação existirá sempre uma falha, um resto, um resíduo, algo que escapa e que irá fundar o sujeito dividido por natureza ($), ou seja, o sujeito do inconsciente.

Fica claro, agora, o quanto a nomeação da mãe às necessidades do filho é importante e poderosa para o pequeno e frágil ser, podendo dizer que ao longo de todo o desenvolvimento da criança muitas nomeações serão feitas pela mãe ou pelos pais que irão ajudar a formar a personalidade desse indivíduo.

Uma das mais importantes e significativas nomeações que os pais se incumbem de realizar é o de dar o nome de seus filhos. Definitivamente não é uma tarefa fácil! Em muitos casos, busca-se colocar o mesmo nome do pai ou do avô ou da avó dando um sentido de continuidade; em outros, um nome que antes mesmo de se casar já sonhava em colocar; noutros, os pais são “inspirados” a colocar o nome de alguém famoso; ainda existem casos de uma combinação do nome do homem com o da mulher que na maioria das vezes gera um nome incomum e nada harmônico; também há casos do nome e sobrenome serem estrangeiros com o final bem brasileiro como, por exemplo, Anthony Edward Silva; ainda existem nomes extremamente feios e nunca visto antes e para encerrarmos essa via-crúcis em torno de um nome próprio a ofertar ao filho, deparamos com a colocação de um nome que já foi de alguém, ou seja, um filho morre e os pais decidem colocar o mesmo nome no filho que nasceu depois.

Como vimos, existe uma variante de possibilidades de escolhas que irá significar no futuro alguma coisa muito forte para o sujeito, a saber, um significante, ou seja, será aquilo que representa alguém específico, o que diz de uma pessoa.

Para ilustrarmos melhor a questão, recorreremos ao primeiro seminário de Lacan (1953-54), onde ele faz os seguintes questionamentos: O que há num nome? O que é um nome? Para que serve? O que fazemos com ele e o que podemos fazer com ele numa análise?

Diante de todos esses questionamentos de Lacan não há como negar que além de buscar um sentido, ele coloca em cena a questão do significante, ou seja, o que representa o sujeito para outro significante. Atrelado a isso nos deparamos com outra questão extremamente importante, a saber, da identificação do sujeito com o nome que lhe foi ofertado e como será realizado o investimento em seu próprio nome. Partindo do pressuposto que somos constituídos subjetivamente pelo Outro primordial que, por sua vez, também ocupa o lugar de representante da cultura local. Nesse caso, não fugiríamos desse princípio fundante que é a cultura. Portanto, a identificação do indivíduo com o seu nome próprio dependeria do aval da cultura para que possa se sentir bem ou mal quando seu nome for pronunciado por alguém. Isso acontecerá em pleno convívio escolar.  

O nome próprio ao designar um indivíduo faz com que ele seja introduzido no reino hominal e, portanto, no mundo da linguística, do significante e do pensamento lógico mais complexo. É por ter a capacidade pensante e a necessidade de ser aceito na sociedade que o indivíduo ao se esbarrar em um nome que para si mesmo não o representa, não diz o que ele é, instala-se o conflito e o desagrado por ter esse nome. O poder da representatividade do nome próprio pode fortalecer o elo do indivíduo com o seu meio ou frustá-lo, haja vista em uma chamada presencial da escola que poderá ser alvo de chacotas.

A representatividade do nome próprio como significante que representa o sujeito para outro significante é, sobretudo, uma marca, uma insígnia que os pais colocaram no filho. Portanto, possui muito do aspecto da historia de vida desse sujeito. Partido desse princípio, o que dizer quando os pais colocam o mesmo nome de um filho que já morreu em outro filho? Fica lógico que o desejo desses pais é de tamponar o vazio, a falta que o outro filho faz. Agora, a pergunta que nós fazemos é: será justo com o outro filho já começar a vida, morto? Que lugar essa criança ocupa para os pais? É natural nesses casos existir comparações e o desejo inconsciente de moldar o filho ao outro que morreu. Então, fazemos mais um questionamento: onde fica a singularidade dessa criança? A falta de uma singularidade deixará esse indivíduo levitando, ou seja, sem uma base que o sustente, uma base formadora de seu próprio Eu como sujeito singular, a não ser que ele tenha forças para dizer aos pais: “esse que vocês pensam que eu sou é o meu irmão que morreu, eu não sou assim!”.     

Como já mencionei antes, a escolha do nome próprio é uma tarefa difícil, mas também não é nenhuma coisa do outro mundo, mas requer ponderação dos pais ao escolher o nome de seus filhos, pois tal escolha irá representá-los para o resto de suas vidas.

* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.






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