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Por Jorge Roberto Fragoso Lins
Um novo mundo se apresenta para o bebê com a saída do conforto e segurança do útero materno, um mundo que
lhe trará tensões, satisfações, frustrações, adaptações que darão início a sua
caminhada para o simbólico, ou seja, que irá fundá-lo como um sujeito
desejante. Dito de outra forma, o bebê enfrentará um grande desafio a partir de
seu nascimento, o de se adaptar ao mundo externo, mundo este que poderá ser
harmônico ou extremamente hostil.
A continuação de sua relação
com a mãe agora passa por um novo e importante estágio, sendo a mãe ou quem
ocupe essa função o primeiro Outro na vida da criança, um Outro que ainda não é
um Outro externo já que, o que existe é uma representação fantasmática de uma
unicidade dos corpos, ou seja, mãe e bebê estão fundidos em um único corpo. No
entanto, será através da mãe que assume a função do Outro primordial que o bebê
ao se alienar ao desejo dela dará os primeiros passos para a sua constituição
subjetiva. A voz e o olhar fornecerão estímulos pulsionais que inundarão o bebê
com afetividade e desejo, isto é, se for uma mãe o suficientemente boa, construindo,
assim, o Eu Corporal, que segundo Birman seria a constituição Corpo Sujeito.
Será pela fala que a mãe nomeará
as necessidades do filho. Por exemplo, se o bebê chora, a mãe entenderá que aquele
choro não é de fome, mas sim porque ele está
abusado por estar com sono, então ela diz: “Sim, mamãe sabe que bebê tá com
soniiiinho!”. Esta mãe assim procedendo está inscreve na criança que está
necessidade fisiológica tem um nome, sono. Por sua vez essa rede de comunicação
de signos formulará a mensagem para a mãe que o bebê precisa de um aconchego que
o livre dessa tensão – que seria o abuso por não estar conseguindo dormir – possibilitando
uma forma para que ele possa adormecer.
Sabemos que não existe de forma racional uma reflexão por parte do bebê, mas na
medida em que essa mãe compreende a mensagem enviada pelo bebê de sua
necessidade – sono, dormir – e logo o põe para dormir, a repetição desta
experiência criará um condicionamento associativo que terá o valor de um
reforço positivo, ou seja, “choro de sono somado ao aconchego da mãe é igual a
dormir”. No entanto, mesmo que acha uma boa sincronia nessa rede de comunicação
existirá sempre uma falha, um resto, um resíduo, algo que escapa e que irá
fundar o sujeito dividido por natureza ($), ou seja, o sujeito do inconsciente.
Fica claro, agora, o quanto
a nomeação da mãe às necessidades do filho é importante e poderosa para o pequeno
e frágil ser, podendo dizer que ao longo de todo o desenvolvimento da criança muitas
nomeações serão feitas pela mãe ou pelos pais que irão ajudar a formar a
personalidade desse indivíduo.
Uma das mais importantes e
significativas nomeações que os pais se incumbem de realizar é o de dar o nome
de seus filhos. Definitivamente não é uma tarefa fácil! Em muitos casos,
busca-se colocar o mesmo nome do pai ou do avô ou da avó dando um sentido de
continuidade; em outros, um nome que antes mesmo de se casar já sonhava em
colocar; noutros, os pais são “inspirados” a colocar o nome de alguém famoso; ainda
existem casos de uma combinação do nome do homem com o da mulher que na maioria
das vezes gera um nome incomum e nada harmônico; também há casos do nome e
sobrenome serem estrangeiros com o final bem brasileiro como, por exemplo, Anthony Edward Silva; ainda existem nomes extremamente
feios e nunca visto antes e para encerrarmos essa via-crúcis em torno de um
nome próprio a ofertar ao filho, deparamos com a colocação de um nome que já
foi de alguém, ou seja, um filho morre e os pais decidem colocar o mesmo nome
no filho que nasceu depois.
Como vimos, existe uma
variante de possibilidades de escolhas que irá significar no futuro alguma
coisa muito forte para o sujeito, a saber, um significante, ou seja, será
aquilo que representa alguém específico, o que diz de uma pessoa.
Para ilustrarmos melhor a
questão, recorreremos ao primeiro seminário de Lacan (1953-54), onde ele faz os
seguintes questionamentos: O que há num nome? O que é um nome? Para que serve?
O que fazemos com ele e o que podemos fazer com ele numa análise?
Diante de todos esses
questionamentos de Lacan não há como negar que além de buscar um sentido, ele coloca
em cena a questão do significante, ou seja, o que representa o sujeito para
outro significante. Atrelado a isso nos deparamos com outra questão extremamente
importante, a saber, da identificação do sujeito com o nome que lhe foi ofertado e como será realizado
o investimento em seu próprio nome. Partindo
do pressuposto que somos constituídos subjetivamente pelo Outro primordial que,
por sua vez, também ocupa o lugar de representante da cultura local. Nesse
caso, não fugiríamos desse princípio fundante que é a cultura. Portanto, a identificação
do indivíduo com o seu nome próprio dependeria do aval da cultura para que possa
se sentir bem ou mal quando seu nome for pronunciado por alguém. Isso
acontecerá em pleno convívio escolar.
O nome próprio ao designar
um indivíduo faz com que ele seja introduzido no reino hominal e, portanto, no
mundo da linguística, do significante e do pensamento lógico mais complexo. É
por ter a capacidade pensante e a necessidade de ser aceito na sociedade que o
indivíduo ao se esbarrar em um nome que para si mesmo não o representa, não diz
o que ele é, instala-se o conflito e o desagrado por ter esse nome. O poder da
representatividade do nome próprio pode fortalecer o elo do indivíduo com o seu
meio ou frustá-lo, haja vista em uma chamada presencial da escola que poderá
ser alvo de chacotas.
A representatividade do nome
próprio como significante que representa o sujeito para outro significante é,
sobretudo, uma marca, uma insígnia que os pais colocaram no filho. Portanto, possui
muito do aspecto da historia de vida desse sujeito. Partido desse princípio, o
que dizer quando os pais colocam o mesmo nome de um filho que já morreu em
outro filho? Fica lógico que o desejo desses pais é de tamponar o vazio, a
falta que o outro filho faz. Agora, a pergunta que nós fazemos é: será justo
com o outro filho já começar a vida, morto? Que lugar essa criança ocupa para
os pais? É natural nesses casos existir comparações e o desejo inconsciente de
moldar o filho ao outro que morreu. Então, fazemos mais um questionamento: onde fica a singularidade dessa criança? A
falta de uma singularidade deixará esse indivíduo levitando, ou seja, sem uma base
que o sustente, uma base formadora de seu próprio Eu como sujeito singular, a
não ser que ele tenha forças para dizer aos pais: “esse que vocês pensam que eu
sou é o meu irmão que morreu, eu não sou assim!”.
Como já mencionei antes, a
escolha do nome próprio é uma tarefa difícil, mas também não é nenhuma coisa do
outro mundo, mas requer ponderação dos pais ao escolher o nome de seus filhos,
pois tal escolha irá representá-los para o resto de suas vidas.
* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em
intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.
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