quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A COMPREENSÃO DO BRINCAR PELA PSICOLOGIA E PSICANÁLISE


* Por Jorge Roberto Fragoso Lins

A compreensão das crianças de que os objetos são independentes e que possuem características e localizações próprias no espaço é extremamente importante para uma visão ordenada da realidade física. Esse entendimento ajuda a fundar a base para a consciência que as crianças têm de que elas mesmas existem separadamente dos objetos e, sobretudo, das outras pessoas. Um ponto fundamental da compreensão da criança em relação aos objetos é o conceito de permanência, é a percepção de que um objeto ou mesmo uma pessoa continuará existindo mesmo que esta esteja fora do campo de visão da criança. O desenvolvimento desse conceito é visto através do jogo de se esconder que muitas mães, pais ou cuidadoras fazem, desaparecendo e reaparecendo para a criança. O reaparecimento da pessoa é recebido pela criança com gestos e tons de voz que esbanjam alegria e prazer. A alegria que o bebê sente com relação à brincadeira representa uma estimulação sensorial que é aumentada pelo fascínio que ele tem por rostos, vozes e em especial pelos tons mais agudos que é costumeiro os adultos usarem com eles.

A brincadeira contribuirá para vários propósitos importantes para a vida da criança, e um dos, segundo Freud, está em dominar a ansiedade quando a mãe estiver ausente. Certa vez, nos esclarece Freud, sua filha precisou se ausentar de casa por algum tempo e pediu que ele cuidasse do neto pequeno. Freud observou, então, que o menino passou a brincar jogando um carretel que estava preso a um fio, de dentro do berço para fora, de modo que o mesmo desaparecia sob a cama. O neto repetiu várias vezes esse jogo e não chorou porque sua mãe estava ausente. Quando jogava o carretel para fora do berço Freud observou que o neto produzia um som que se assemelhava a este: ó ... ó... ó... Já, quando puxava o fio e tinha o carretel em seu poder à criança dizia: dá...dá...dá com uma expressão de felicidade no rosto. A compreensão de Freud para o fato fez com que ele pensasse algo que tivesse semelhança com a brincadeira de desaparecer e reaparecer do adulto, algo que tivesse o mesmo sentido do “sumiu e achou”, denominando, assim, a brincadeira que seu neto Ernst se ocupava de fort-da, relatando posteriormente sua experiência com o neto em seu livro Além do Princípio do Prazer (1920). Esta experiência serviu para que Freud elaborasse seu texto “Repetir, Recordar e Elaborar”, onde ele trata das compulsões. “Fort” teria um significado parecido a “fora” ou “ir embora” e “Da” algo semelhante a “aqui”.  

O jogo do carretel mostra claramente a noção de objeto independente, de localização e de espaço do qual nos referimos no início de nosso texto,  como também a distinção essencial entre o “Eu” e o “Não-Eu” que fundamenta o mecanismo subjetivo para o discurso como sujeito da enunciação, a saber, para a linguagem. De forma ainda rudimentar, Ernst buscou com o lançar do carretel para fora do berço e depois trazendo para si, emitindo para cada comportamento realizado um determinado som (fort-da), atribuir um sentido para o que fazia e, assim, controlar sua ansiedade por sua mãe não está presente, segundo Freud. Nesse sentido, o que é perfeitamente observado é a morte da coisa, também conhecida como objeto perdido ou objeto a, e o emergir do simbólico e do desejar. De certa forma, o bebê está seguindo o mesmo caminho que sua mãe fez ao nomear suas necessidades. Dito de outra maneira, Ernst ou qualquer outra criança que não possui maiores problemas psíquicos e cognitivos só consegue ter a condição que teve Ernst de fazer uma representação do objeto carretel com a presença e ausência de sua mãe se antes teve o privilégio de ter uma mãe satisfatoriamente boa que se inscreveu nele como significante primordial, ou seja, como o Outro primordial que o instituiu no simbólico.  

Quando tomamos como referência o conceito de Freud do fort-da, consequentemente, o associamos ao conceito de permanência do qual mencionamos no começo de nosso trabalho. Dito de outra forma, mesmo sem  a presença física da mãe, Ernst de sua forma percebia que aquele objeto continuava existindo. Nesse jogo de lançar o carretel e depois trazê-lo de volta quando desejasse não só trazia a questão da separação de sua mãe, mas possibilitava a condição de associar o objeto carretel ao objeto mãe, e com isso a condição de empoderamento do objeto que é representado pelo carretel.

Na medida em que o bebê vai desenvolvendo sua competência para prever acontecimentos futuros, a brincadeira do desaparecer e reaparecer vai tomando novas dimensões que irão enriquecer a experiência. Por volta dos três aos cinco meses de idade, o bebê terá um ganho em sua percepção, ou seja, o da expectativa do que irá acontecer depois que o adulto desapareceu de seu alcance visual. Assim que o mesmo reaparecer o bebê se deixará levar por boas gargalhadas. O bebê entre cinco e oito meses ao ouvir a voz do adulto irá demonstrar uma antecipação ao olhar e sorrir para a direção que ouviu a voz. Com um ano, o bebê já se mostra ativo para as brincadeiras, envolvendo inteiramente o adulto e podendo ficar insistente até conseguir o seu intento de brincar com ele.

As brincadeiras infantis possuem um cunho psíquico e comportamental extremamente importante tanto para as crianças quanto para os estudos dos profissionais de psicologia. Sustentadas pelas mais diversas fantasias que estão ocultas no indivíduo, elas não estão alheias a sua realidade. A temática é revestida de tamanha importância que não custa lembrar que Freud fundou a psicanálise e desenvolveu seus primeiros trabalhos ao estudar e analisar as fantasias das histéricas.

            Freud entendia que a criança ao brincar tem prazer na aparente onipotência que passa a possuir ao manipular os objetos cotidianos que para ela seriam símbolos imaginários, como o fort-da, onde seria evocada a presença da mãe que estaria presente numa análise infantil. No entanto, não se aprofundou na temática tanto como Melanie Klein que verdadeiramente trouxe a brincadeira para o setting analítico. Klein reconheceu uma semelhança entre uma atividade lúdica infantil com o sonho de um adulto, e as verbalizações da criança ao brincar a uma associação livre clássica. Por sua vez, Winnicott seguiu vários dos preceitos de Klein e situou o brincar como um objeto de estudo, estabelecendo o brincar do analista, e o grande valor que essa atividade possui em si, instituída como uma atividade infantil que também faz parte do universo dos adultos. Em outras palavras, o brincar para Winnicott, é algo além de imaginar e desejar, brincar é o fazer.

            Winnicott entendia o brincar tanto para as crianças como para os adultos como um campo transitório, intermediário entre o mundo psíquico e o mundo socialmente construído. Este campo seria constituído das duas realidades do sujeito, ou seja, pela realidade interna e externa. Esta seria a forma como Winnicott compreendia o brincar.

            A área intermediária se constituiria com o desenvolvimento da  capacidade do bebê de perceber e aceitar a realidade social, ou seja, a realidade externa. Ela teria um aspecto transitório que se inicia com a ilusão do bebê que se percebe o todo poderoso que possui o poder sobre o seu redor. Até ai se assemelha ao que Freud mencionou com a onipotência que passa a possuir a criança ao manipular os objetos do cotidiano que para ela seriam símbolos imaginários. No entanto, o pensar de Winnicott vai se afastar de qualquer semelhança do pensar de Freud, quando ele afirma que a criança passa pela desilusão quanto à sua própria onipotência, desconstruíndo o que até então tinha como realidade e começa a aceitar a realidade que o social construiu para ela. Quando o indivíduo chega à vida adulta esse campo intermediário será perfeitamente percebido em sua manifestação artistica, na religião e na cultural de uma maneira mais ampla. O que deve ficar claro é que tanto a fantasia como a própria ilusão permanecerão para o resto da vida do sujeito, afinal de contas, ninguém vive sem um mínimo de fantasia.  

* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.


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