sexta-feira, 26 de julho de 2013

CEGUEIRA ESPECULAR E SURDEZ SIGNIFICANTE


* Por Jorge Roberto Fragoso Lins

A cegueira especular corresponde a um estado de opacidade do olhar da mãe para com seu bebê, em outras palavras, é o olhar que não exprime desejo, afeto, amor. Um olhar que não obedece ao funcionamento do espelho não produzindo a instauração do registro imaginário. A opacidade ou turvação desse olhar poderá levar a sérias consequências para o bebê, inclusive o autismo. Freud compreendia que “o olho que vê também tem prazer”. Lacan também compartilhava do mesmo entendimento chegando a criar sua própria teoria sobre a questão, a saber, o estádio do espelho, ou seja, o eu se constitui a partir do “a” como função da imagem especular, isto é, através do imaginário, confirmado pelo olhar do Outro. Em sua teoria ele estabeleceu uma condição a mais para o olhar, a de pulsão escópica. O que ele queria dizer com isso? Que a satisfação pulsional inerente ao olhar está diretamente ligada ao objeto desse olhar, desse desejo, ou seja, o objeto alvo da intencionalidade do querer da mãe. O bebê deve ser aos olhos da mãe um objeto perceptível, portanto, o objeto alvo da intencionalidade desse querer.

Freud estabelece uma relação entre pulsão escópica com a pulsão oral ao afirmar que os olhos possuem a mesma função que a boca, ou seja, a visão e o olhar são tão importantes quanto à alimentação e o beijo. Já, Lacan, aproxima as duas pulsões, escópica e invocante, e diz que a partir de um comportamento satisfatório na relação mãe-bebê é que se constitui o circuito pulsional do infante. Trocando em miúdos tanto o olhar desejante como a fala de uma invocação que pressupõe uma alteridade, ou seja, uma possibilidade que faz o bebê vir a ser. Freud colocou a visão em um lugar de destaque entre os sentidos, chegando aventar a possibilidade de ter ocorrido um recalque orgânico do olfato, assim que o homem adquiriu a postura ereta, deixando-o neste aspecto numa posição inferior aos demais seres da raça animal. Segundo ele, a postura ereta desencadeou um natural afastamento entre os órgãos sexuais e os olfativos. Com isso, o olfato perde sua função de mediador das trocas sexuais entre os homens e a visão passa a ocupar este lugar.

A mãe ao ouvir o choramingado do bebê e nomeá-lo a uma necessidade pulsional do filho, necessidade que ela atribui que ele esteja sentindo naquela hora, sendo este um momento de mal-estar para o bebê, ela está introduzindo o mesmo na linguagem através de seu enunciado. Em poucas palavras podemos dizer que ela está cumprindo o seu papel em alienar o filho ao seu desejo materno. A criança é colocada pela mãe numa posição de objeto e essa alienação que a criança sofre em relação a mãe nada mais é do que um traço de identificação com seu outro primordial.

A partir do que já foi exposto acredito já poderíamos compreender o que deve representar o olhar materno para seu filho e, também, diferenciá-lo de um simples enxergar o filho que anda bem longe de uma lógica especular.  Agora, o que representa a surdez significante de uma mãe? Voltemos para o choramingado do bebê. Uma mãe suficientemente boa ao ouvir seu bebê chorando irá logo nomear aquele choro a alguma necessidade pulsional como fome, sono ou cólica. A mãe que possui a surdez do qual me refiro escuta o choro da criança e se aborrece com ele, pois o choro para ela é apenas barulho, deixando a mãe extremamente irritada. Tal comportamento impede que exista a relação especular entre mãe-bebê e a nomeação de uma cadeia de significantes favorável para o bebê.  

* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.


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