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Por Jorge Roberto Fragoso Lins
A cegueira especular
corresponde a um estado de opacidade do olhar da mãe para com seu bebê, em
outras palavras, é o olhar que não exprime desejo, afeto, amor. Um olhar que
não obedece ao funcionamento do espelho não produzindo a instauração do
registro imaginário. A opacidade ou turvação desse olhar poderá levar a sérias
consequências para o bebê, inclusive o autismo. Freud compreendia que “o olho
que vê também tem prazer”. Lacan também compartilhava do mesmo entendimento
chegando a criar sua própria teoria sobre a questão, a saber, o estádio do
espelho, ou seja, o eu se constitui a partir do “a” como função da imagem
especular, isto é, através do imaginário, confirmado pelo olhar do Outro. Em
sua teoria ele estabeleceu uma condição a mais para o olhar, a de pulsão
escópica. O que ele queria dizer com isso? Que a satisfação pulsional inerente ao
olhar está diretamente ligada ao objeto desse olhar, desse desejo, ou seja, o
objeto alvo da intencionalidade do querer da mãe. O bebê deve ser aos olhos da
mãe um objeto perceptível, portanto, o objeto alvo da intencionalidade desse
querer.
Freud estabelece uma relação
entre pulsão escópica com a pulsão oral ao afirmar que os olhos possuem a mesma
função que a boca, ou seja, a visão e o olhar são tão importantes quanto à alimentação
e o beijo. Já, Lacan, aproxima as duas pulsões, escópica e invocante, e diz que
a partir de um comportamento satisfatório na relação mãe-bebê é que se
constitui o circuito pulsional do infante. Trocando em miúdos tanto o olhar desejante
como a fala de uma invocação que pressupõe uma alteridade, ou seja, uma possibilidade
que faz o bebê vir a ser. Freud colocou a visão em um lugar de destaque entre
os sentidos, chegando aventar a possibilidade de ter ocorrido um recalque
orgânico do olfato, assim que o homem adquiriu a postura ereta, deixando-o
neste aspecto numa posição inferior aos demais seres da raça animal. Segundo
ele, a postura ereta desencadeou um natural afastamento entre os órgãos sexuais
e os olfativos. Com isso, o olfato perde sua função de mediador das trocas
sexuais entre os homens e a visão passa a ocupar este lugar.
A mãe ao ouvir o choramingado
do bebê e nomeá-lo a uma necessidade pulsional do filho, necessidade que ela
atribui que ele esteja sentindo naquela hora, sendo este um momento de mal-estar
para o bebê, ela está introduzindo o mesmo na linguagem através de seu enunciado.
Em poucas palavras podemos dizer que ela está cumprindo o seu papel em alienar
o filho ao seu desejo materno. A criança é colocada pela mãe numa posição de
objeto e essa alienação que a criança sofre em relação a mãe nada mais é do que
um traço de identificação com seu outro primordial.
A partir do que já foi
exposto acredito já poderíamos compreender o que deve representar o olhar
materno para seu filho e, também, diferenciá-lo de um simples enxergar o filho
que anda bem longe de uma lógica especular. Agora, o que representa a surdez significante
de uma mãe? Voltemos para o choramingado do bebê. Uma mãe suficientemente boa
ao ouvir seu bebê chorando irá logo nomear aquele choro a alguma necessidade
pulsional como fome, sono ou cólica. A mãe que possui a surdez do qual me
refiro escuta o choro da criança e se aborrece com ele, pois o choro para ela é
apenas barulho, deixando a mãe extremamente irritada. Tal comportamento impede
que exista a relação especular entre mãe-bebê e a nomeação de uma cadeia de
significantes favorável para o bebê.
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Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo,
pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período
de psicologia.
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