* Por Jorge Roberto Fragoso Lins
Ao contrário do que se imagina
a depressão não é um mal relacionado apenas a adultos, estima-se que cerca de
2% das crianças apresentam ou já apresentaram sintomas depressivos. Entender e
diagnosticar a depressão infantil não é nada fácil, pois os sintomas poderão
ser confundidos como birra, malcriação, mau humor, agressividade e finalmente
tristeza. Ficar triste é uma decorrência da vida que os seres humanos em muitos
momentos da existência vivenciam por esse ou aquele motivo, mas o que vai
sinalizar para uma depressão é a intensidade e persistência dessa tristeza que culminará
numa mudança de hábitos da criança. Hábitos que antes eram naturais do
dia-a-dia aos poucos vão ficando sem graça e deixados de lado.
Geralmente a depressão se
apresenta após uma experiência traumática como separação dos pais, morte de uma
pessoa querida ou mesmo de um animal de estimação, bullying, mudança de colégio ou uma mudança radical de vida que a
desestruture em suas referências. No entanto, a depressão poderá ocorrer ainda
na primeira infância estando relacionada a frustrações precoces e graves
ligadas a qualidade do investimento materno. O empobrecido investimento
libidinal da mãe no papel do Outro primordial da criança, a falta de desejo
dessa mãe, a ausência da palavra amorosa (desejante) e talvez uma possível
representação de intrusão vista em relação a esse bebê, poderão acarretar em
sérias consequências para o circuito pulsional da criança, podendo não apenas
provocar uma depressão como coisa pior. Uma boa interação mãe-bebê ou, o encontro
mãe-bebê é de suma importância para o desenvolvimento do mesmo, e a isso já enfatizava
Winnicott quando dizia:
"Sem ter alguém
dedicado especificamente às suas necessidades, o bebê não consegue estabelecer
uma relação eficiente com o mundo externo. Sem alguém para dar-lhe
gratificações instintivas e satisfatórias, o bebê não consegue descobrir seu
próprio corpo nem desenvolver uma personalidade integrada".
O processo de evolução do
desenvolvimento neuro motor e psíquico da criança iniciam, assim que ela nasce,
e será através dos cuidados maternais e da afetividade que a mãe passa para seu
filho, a somar a uma boa relação do casal ou familiar e ao ambiente externo sem
muitas intrusões que invadam a intimidade do bebê, que propiciará um
desenvolvimento harmonioso e sadio para o mesmo, obviamente, incluindo os
fatores genéticos favoráveis para tal.
Será através da mãe que a
criança entrará no campo das representações, ou seja, no campo do simbólico, sendo
a mãe a primeira a decodificar os primeiros signos para a criança, nomeando seu
choro a alguma necessidade. Segundo Winnicott, no último trimestre gestacional
a mãe desenvolve um estado psicológico especial denominado por ele de “preocupação
materna primária”. O que isso significa? Que a mãe adquire uma acentuada
sensibilidade nos períodos pós parto e puerperal, conseguindo, assim, identificar
e diferenciar as necessidades físicas do bebê como também, a necessidade que o
bebê tem de reconhecer o que o rodeia. Isso explica o que mencionei antes sobre
a nomeação que a mãe faz do choro do bebê a alguma necessidade dele.
É uma relação que exige
alienação por parte do bebê e dedicação por parte da mãe, existindo, assim, uma
identificação de ambas as partes. Aspectos qualitativos do investimento
maternal poderão ser quebrados, por exemplo, por uma forte vivência de luto que
a mãe esteja passando, descompensações depressivas. A isto, temos a dizer que o
nível de exposição da criança com a mãe depressiva também concorre para o
desenvolvimento do quadro na criança. A falta de continuidade dos cuidados, vivência
de separação da mãe ou
de seu cuidador ou cuidadora, também são extremamente significativos para a
formação do quadro. Mas, vale salientar que, antes dos seis meses de vida do
bebê não se cogita em dizer que exista uma depressão, mas respostas
depressivas. No entanto, no segundo semestre, ocasionada pela ruptura da
relação com o objeto maternal, a criança poderá desenvolver um quadro precoce e
bastante grave de depressão, chamada de depressão anaclítica. É uma depressão infantil precoce que provoca um severo
prejuízo no desenvolvimento físico e psíquico das crianças que são
negligenciadas pelas mães.
A criança
apresenta um quadro de perda gradual de interesse pelo meio, perda de peso,
comportamentos estereotipados (tais como balanceios) e, eventualmente, a morte.
Com a manutenção da negligência da mãe o quadro será intensificado e o bebê irá
desistir de seus apelos quando sentir suas necessidades, podendo também desenvolver
um quadro de autismo, segundo a psicanálise. Um exemplo que caracteriza o que
estou mencionando é o da depressão pós-parto. O bebê chora de fome e a mãe não
tem forças para alimentá-lo. Neste caso não é que exista uma negligência proporcional,
mas existe uma indisposição que irá se equiparar a uma negligência ou, melhor
dizendo, a consequência dela. É importante lembrar que a mãe ao ocupar a função
do Ego de suporte de seu bebê, deverá não só compreender suas necessidades e
acolhê-lo em todas elas, mas também ser sensível observando como o bebê ou a
criança mais velha reage ao meio externo (evitando intrusões), criar as
condições necessárias para um ambiente saudável e alegre em todas as etapas do
desenvolvimento de seu filho. Os primeiros meses e anos de vida do indivíduo
são extremamente importantes para sua constituição. Falhas
ou ineficiência no contato mãe-bebê poderá acarretar prejuízos cognitivos e alterações
de personalidade que perdurará até a vida adulta.
O diagnóstico de depressão infantil é normalmente
feito a partir de critérios de comportamento, tais como: atonia afectiva,
inércia motora, pobreza interactiva/retirada, desorganização psicossomática
(Kazdin, 1990).
A depressão infantil é avaliada em detrimento de sua
duração e das falhas funcionais que a acompanham. Encontram-se, também, sintomas
associados, como perturbações do comportamento, défices de atenção, falta de
vivacidade na expressão dos afetos, falta de apetite, desânimo para desenvolver
suas competências relacionais e cognitivas, isolamento, irritabilidade, hiperatividade,
cefaleia,
dores de estômago
e outros. Segundo Fábio Barbirato, crianças em idade pré-escolar (até 5 anos)
tendem a desenvolver sintomas como melancolia, enurese (xixi na cama),
encoprese (eliminação de fezes involuntária) e crises de choro. Também podem
ocorrer regressão no desenvolvimento psicomotor, insônia e pesadelos.
O Manual de Estatística e Diagnóstico de
Transtornos Mentais determina a necessidade de identificar pelo menos cinco dos
treze sintomas, com durabilidade de duas semanas, para comprovação do quadro.
1. Alteração de humor, com
irritabilidade e ou choro fácil
2. Ansiedade
3. Desinteresse em atividades
sociais, como ir a escola, brincar com os amigos ou com brinquedos
4. Falta de atenção e queda no rendimento
escolar
5. Distúrbios de sono, como
dificuldade pra dormir ou ter sono o dia inteiro
6. Perda de energia física e
mental
7. Reclamações por cansaço ou
ficar sem energia
8. Sofrimento moral ou
insatisfação consigo mesmo, sentimento de que nada do que faz está certo
9. Dores na barriga, na cabeça ou
nas pernas
10. Sentimento de rejeição
11. Condutas antissociais e
destrutivas
12. Distúrbios de peso, emagrecer
ou engordar demais
13. Enurese e encoprese (xixi na
cama e eliminação
A depressão infantil tem seu início insidioso, ou
seja, sorrateiramente, apresentando múltiplos sintomas. É preciso que a criança
apresente pelo menos cinco sintomas referentes ao quadro para se confirmar o
diagnóstico. Os pais, sobretudo, a mãe, devem observar mudanças significativas
ou não de comportamento de seu filho, como também, reavaliar sempre seus
próprios comportamentos em relação a
criança. Segundo Winnicott, a mãe é a responsável pela saúde psíquica de seu
filho, ou seja, sendo uma boa mãe ela propiciará um harmonioso e saudável
desenvolvimento para seu filho. No entanto, o pai, como balizador dessa relação,
como castrador do gozo da mãe e como o sujeito que irá inscrever a falta, o
limite, a lei ao filho, deverá compartilhar imensamente da responsabilidade de
educar, mas, sobretudo, de ser um bom pai. Ser uma boa mãe ou um bom pai não é
ser um indivíduo que não erra, pois isso é impossível, mas apenas ser uma boa
mãe ou um bom pai. O que isso significa? Sua consciência, assim, o dirá!
* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em intervenções clínicas em psicanálise, graduando do 8º período de psicologia.
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