Foto/fonte: http://amandicaindica.blogspot.com.br/2011/12/dpc-depressao-pos-casamento-do-rechaud.html
* Por Jorge Roberto Fragoso Lins
Os preparativos relacionados
à cerimônia, o vestido de noiva, a festa, o sentimento que envolve o casal, o
desejo de sair da casa dos pais e ter sua própria casa e ‘independência’, os
sonhos e planos para o futuro entre eles os de ter filhos e a lua-de-mel, representa
um momento cheio de expectativas e ansiedades para o casal, um momento mágico que
se iguala a de um conto de fadas. No entanto todo esse festim esconde ou, melhor
dizendo, passa despercebida a dependência emocional que ainda se tem em relação
aos pais, sobretudo, da mãe, por ainda não ter acontecido o necessário “desmame”
entre um dos parceiros ou mesmo de ambos, a todas as facilidades, conforto e mimos
que mamãe e papai davam.
O casal ao retornar da
lua-de-mel depara-se com uma estranha sensação de que todo aquele momento
mágico que mobilizou o casal para um único objetivo, a saber, o casamento, acabou.
Momento esse que a fantasia dos preparativos se finda e a realidade do
casamento e de uma vida a dois se apresenta, demandando um novo objetivo e um bom
projeto de vida. Essa sensação de estranheza pode deixar o casal por algum
momento numa certa condição flutuante, fazendo emergir a seguinte pergunta: “E
agora, o que fazer?”
O casamento ou uma vida co-relacionada
à de casado exige um pensar no plural sem que seja restringida a singularidade
de cada parceiro e uma co-responsabilidade dos atos. No entanto, o que se
observa em muitos casos é que, um dos parceiros ou mesmo os dois buscam a mesma
dinâmica de liberdade que tinham quanto solteiros, focando o que melhor lhe
apraz, o desejo e a satisfação próprios, individualizados, ou seja, vive-se uma
relação que ao invés de ser compartilhada a dois, é uma relação extremamente
narcisista.
Os primeiros dias, meses e
anos de uma vida a dois se constituem em uma fase de apresentação e muito diálogo, flexibilidade
e adaptação, sobretudo, de co-responsabilidades. Será nessa fase que se
experimenta a tolerância em relação a comportamentos que não se apresentavam tão
nitidamente no namoro; ou porque o período de convivência não permitiu, ou
porque estavam encobertos pela venda da paixão. Será nesse período que deverá existir
a confluência dos Eu’s, ou, seja, um Eu menos individual e narcisista cede
lugar para um projeto de vida a dois. A intolerância representa justamente o
contrário, assinalando para um indivíduo preso a um narcisismo primário e
despreparado emocional para uma convivência do porte.
A mulher que se casa não
deixa de ser filha, mas o lugar que antes ela ocupava não é mais o mesmo, ou
seja, ela não se encontra mais ocupando o berço esplêndido da mamãe e nem do
papai. Tal condição também se remete ao homem. Quando se casa de certa forma se
vive o luto da fase de solteiro e daquela identidade para celebrar a fase que
se inicia. A mulher ao sair da casa do pai deixa de ser a filha e a irmã para
ser a esposa do marido; já o homem passa a ser marido, compartilhando com a
mulher as demandas dessa nova vida. Trocando em miúdos, as facilidades e o
conforto que encontravam na casa dos pais devem se tornar boas recordações de
uma época que acabou, pois a nova realidade requer uma demanda de construção e
crescimento a dois. Dentre a demanda de construção está a manutenção do amor,
que precisa do cultivo e da compreensão, da atenção e disponibilidade recíproca.
Quero chamar atenção para um
aspecto que pode decorrer de uma forte expectativa por parte de um parceiro em
relação ao outro. Excesso de expectativa pode sinalizar para uma condição de
dependência emocional. A carência por parte de um dos parceiros aumenta a
tendência de uma baixa autoestima, podendo levar a comportamentos de
insegurança, de imaturidade ou de egoísmo que geram cobranças, brigas e
desgaste logo no início da relação. A quebra daquilo do que se esperava no
parceiro provoca uma frustração que reaviva a carência pela qual a pessoa foi
marcada na dinâmica edipiana, podendo levá-la a um estado de tristeza
persistente, ou seja, a uma depressão. O que antes era um sonho se esbarra na
realidade e no desencanto.
A depressão nos primeiros
dias de casado é consequência de vários fatores dentre eles o emocional e o
psicológico, podendo atingir homens como mulheres a depender do perfil da
personalidade de cada um e da intensidade de idealização e expectativas que se
tem do casamento. Mas ao salientar o aspecto histórico e cultural de nossa
sociedade, a depressão pós-casamento torna-se mais uma realidade do público
feminino do que do masculino, isso porque, mesmo que se escute por parte das
mulheres um discurso de não querer nada a sério e da prática do ficar sem
compromisso, no íntimo elas ainda sonham com seus príncipes encantados –
síndrome de cinderela – e esperam que tudo seja maravilhoso, por isso elas acabam
sofrendo mais quando algo não está da forma que sempre imaginaram.
Os fatores externos como o
econômico e o social também são observados, como por exemplo, intensas
atividades profissionais que exijam muitas horas longe de casa e do parceiro, contribuindo
para a solidão do outro e dificuldade financeira que atravessa o casal. No
entanto, não adentraremos em tais perspectivas.
Segundo pesquisas, o número
de mulheres que se casaram recentemente e que estão sofrendo de depressão pós-nupcial
é cada vez maior. Relatos como sentimentos de tristeza, remorso, frustração,
desapontamento e vazio é cada vez mais comum. Em contrapartida, existe o
discurso da estranheza de se viver tais sentimentos já que se concretizou o
sonho de se casar com a pessoa amada depois de tantos planejamentos.
Casar ou compartilhar de uma
relação a dois debaixo do mesmo teto, sobretudo, quando esta é a primeira
experiência do gênero, não é nada fácil nem para a mulher e nem para o homem. A
etiologia da palavra “Compartilhar” compreende: “dividir
com”; “partilhar com”; “distribuir”, “repartir ou compartir”. Portanto, é isso
que os recém-casados devem fazer, ou seja, estreitar ao máximo o diálogo na
tomada de qualquer decisão e comportamento. A intimidade entre os parceiros
deve ser sempre estreita, a demarcação dos limites respeitada e o amor sempre
cultivado. Tais providências poderão evitar precipitações e intransigências que levem ao desgaste
da relação e que venha debilitar emocionalmente o casal. Conhecer bem o outro
pode amenizar os problemas que surjam na convivência a dois.
O casamento não é a morte
dos sonhos, mas um sonho sonhado a dois que não está isento dos percalços da
vida, pois até nos sonhos noturnos esse ou aquele sonho pode deixar alguma
lembrança angustiante para o indivíduo.
A
depressão pós-casamento não chega a ser de fato uma doença, pois na maioria das
vezes representa apenas o choque inicial ou uma tristeza ao se deparar com uma
realidade nova que representa a vida de casado e, consequentemente, não saber
lidar com essa nova situação. No entanto, a persistência de um quadro de
desânimo, triste o tempo todo, falta de apetite, desânimo para sair de casa e insônia
ou sonolência demais, esse tipo de comportamento corresponde a um quadro de depressão.
Agora, o que deve ficar claro, não existindo nenhum outro fator em jogo, como
por exemplo, um marido torturador ou coisa do tipo, ou um ambiente familiar ou
externo inóspito, o simples fato de casar não provoca depressão, mas se caso
aconteça é porque já existia uma predisposição, um antecedente para tal.
* Jorge Roberto Fragoso Lins é sociólogo, pós-graduado em
intervenções clínicas em psicanálise e graduando do 8º período de psicologia.
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